Eu não acredito que a emoção que me invadiu agora ao ler os jornais tenha sido em resposta ao isolamento social que vivemos. Não.
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Chorei por perceber que estamos anestesiados aos números. Falamos das mortes com a mesma banalidade que citamos as lives dos ídolos: “live do fulano de tal a tal dia e a tal hora. Estado tal com tal número de leitos e tal número de mortes”.
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Sofro por ver o Brasil assim. Meu país teve uma história de colonização exploratória tendo como principais características: civilizar, exterminar, explorar, povoar, conquistar e dominar. Nossa terra foi deliberadamente larapiada e assim, fomos com o nosso “jeitinho brasileiro” apagando fogo aqui e ali, entretanto, nos fizemos uma nação de proporções continentais, pluricultural e ainda, rica em recursos naturais.
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Voei no Brasil do Oiapoque ao Chuí. Cruzei num mesmo dia, algumas vezes, as 5 regiões. Conheço os 26 estados mais o DF. Suas capitais, dormi em todas, comi suas comidas, dancei suas músicas, conheci sua gente, andei por suas ruas e banhei-me em suas praias, ou rios, ou igarapés, ou lagos ou lágrimas. Cidades não faladas na TV, também. Cidades que já eram minúsculas e que, a partir delas, teriam mais longas e muitas horas de estrada de terra até o destino de alguns que comigo estavam.
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Pousei em lugares que nem aeroporto tinha, eram pistas de pouso e quando pousávamos as pessoas subiam nas árvores para ver o avião. Em um deles, no dia da inauguração do “aeroporto”, bandinha local tocando, coisa e tal, crianças arrumadinhas com seus pais esperando o grande pássaro colorido e eis que o avião afunda ao tocar na pista, pesado demais, talvez.
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Trouxe gente para a cidade grande em busca de tratamento médico e levei gente para suas cidades de origem para morrer em família. Chorei inúmeras vezes pela minha impotência diante a vontade de ajudar, sorri mais uma quantidade de vezes pela alegria do nosso povo. Sorriam assim, gratuitamente.
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Cores, sabores, paisagens, topografia, fauna, flora, folclore, temperaturas. Somos tantos, somos muito diferentes e isso era a nossa identidade. Mundo afora nos levei no coração. Falei a nossa língua com graça, dancei o samba, brinquei o frevo até o boi-bumbá e a marujada, receitei a caipirinha e cozinhei a feijoada em cozinha de hotéis por onde andei. Nadei com botos e exibi aos gringos as fotos, tudo cor de rosa.
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Por isso eu choro agora…está tudo cinza, quase preto. Meu país, como outros, está em luto. Meu país, diferentemente dos outros, não pode chorar seu luto. Nossos inimigos não somente são visíveis e igualmente poderosos. Claro, temos o coronovírus, sim, sim. E gente morrendo, gente morrendo.
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Alguns de alto poder, dizem que se o pagamento do auxílio emergencial do coronavírus for extendido, “ninguém sairá de casa e que o isolamento será de 8 anos porque a vida estará boa, tudo estará tranquilo”. Sim, vida fácil essa de R$ 600,- mês. Oposição pedindo impeachment e nosso presidente pedindo AI-5. Antes, um palavrão era inconstitucionalissimamente, hoje essa palavra tem mais sentido e peso do que tamanho, enquanto palavrões são meios de comunicação de uma política genocida. De fato, não vivemos um momento de tranquilidade, mas a boiada está passando, ô se está. Pedidos que empresários pressionem governadores pela flexibilização do distanciamento social. Governadores clamando por liderança…eita.
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E gente morrendo, gente morrendo…
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Que país é esse, eu sei. Que palhaçada é essa, não faço ideia
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Meus sentimentos,
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Priscilla Freund