“Há de chegar O dia em que você me provocará, eu vou ficar mal, vou chorar e não vou querer te ver na próxima sessão…eu sei. Todo mundo fala desse Dia.”
Assim terminou uma das minhas sessões na semana passada: eu propondo uma tarefa de casa ao meu paciente e, inclusive, o informando a respeito do porquê dessa tarefa e ele, evitativo porém curioso, me respondendo com tais palavras. Essa cena me ajudou a enxergar a maneira como nós, profissionais da saúde mental, somos percebidos pela grande maioria. Esse paciente tem ampla vivência internacional, já fora exposto à diversas situações inusitadas no seu dia a dia e seu repertório de experiências é favorável a pensamentos frutíferos que contribuem com os nossos diálogos em terapia. Entretanto, ainda assim, eu, sua psicóloga, carrego um estigma de alguém misterioso e capaz de provocar sentimentos de dor e lágrimas, sou sombria e detentora de poderes extraordinários, entre eles, o de sacar conteúdos do inconsciente e assistir ao seu passado, quase uma vidente.
Compreendo a razão desse mal-entendido. Se buscarmos na história da humanidade, as representações da psiquiatria e, posteriormente, da psicologia, o que encontramos são desde modelos presunçosos que classificam pessoas entre normais e anormais, doenças mentais sendo percebidas como castigos dos deuses e tratadas por meio de rituais mágicos, tais pessoas anormais vistas como possuídas e endemoniadas, e que portanto, que traziam consigo o sacrilégio, nos aproximando da época do cristianismo, no qual a igreja detinha o poder da população, eram rituais de exorcismo e queimas coletivas em fogueiras com o intuito de manter uma sociedade limpa de tudo que fosse diferente. Sim, fui lá longe na história e não me detive ao tempo em cronologia. Uma viagem livre nos meus pensamentos e estudos.
Então, com o surgimento da industrialização, a ciência passa a ganhar espaço fundamental na explicação dos fenômenos, ainda assim, essa mesma industrialização trouxe também, modelos de organização social onde, existiam os que trabalhavam e produziam, e aqueles que não se enquadravam em tal formato, por exemplo, moradores de rua, prostitutas e marginais que, obviamente, não eram percebidos dentro da curva de normalidade estabelecida socialmente a esse modelo. O que acontecia a essas pessoas? era trancafiadas e isoladas em asilos sob os cuidados leigos e repressivos da igreja, mais precisamente, irmãs de caridade. Com o avanço da medicina, os problemas da humanidade passam a ser “iluminados” pelo saber cientifico. O conhecimento racional libertando o homem das trevas, dos mitos e dos rituais mágicos, objetivando preparar esse homem, curá-lo de sua loucura e vender a sua mão-de-obra.
Era a integração do saber científico com a indústria saindo de cena a igreja, entrando médicos e enfermeiros nos cuidados dessas pessoas, os rituais mágicos foram substitídos por rituais de tortura, isolamento e punição. Àqueles que fossem se adequando ao tratamento, fosse por meio do condicionamento, fosse pela incapacidade resultante das torturas, eram vistos como em adesão às técnicas experimentais e desumanas aplicadas e em processo de melhora. Do asilo ao manicômio – novamente, estou deixando meu pensamento fluir, não me prendendo ao tempo – nascendo, então, a assistência psiquiátrica como instituição repressiva-assistencial, o hospital asilar, seguida pela medicalização da loucura. Até chegarmos à Reforma Psiquiátrica com a reintegração dessas pessoas acometidas pelas doenças mentais e a devolução da cidadania, visando um tratamento mais humano.
Fui longe, sim? e muito, mas muito resumidamente, trouxe parte da história que permeia o pensamento de uma grande maioria de pessoas: a magia e poderes sobrenaturais na compreensão da mente humana.
Ainda, Sigmund Freud – médico neurologista e psiquiatra criador da Psicanálise, prosseguiu seus estudos orientado pela divisão da alma humana em psique e Eros. Histeria, sintomas aliviados por meio de hipnose. Complexo de Édipo na explicação dos traumas na sexualidade infantil. A dissociação do consciente e do inconsciente, podendo ser revelada através da interpretação dos sonhos. Quanta complexidade. Mas sim, a psicanálise, base dos nossos estudos e fonte de saber nos trouxe à essa magnitude que é a mente humana. E como seguir daqui para frente?
Há muitas maneiras de alcançar a nossa totalidade, temos opções de linhas e abordagens psicoterapêuticas, e com a psicologia pós-moderna, a imagem do psicólogo sombria e misteriosa detentora de poderes quase sobrenaturais é desconstruída, dando lugar a um profissional mais humano, e que por meio de práticas dialógicas, narrativas e colaborativas se posiciona como um coautor da sua história. A terapia focada na dissolução de problemas e na construção de modelos adaptativos de comportamentos, resultando no nosso objetivo, o seu bem-estar. Não somos tenebrosos, e você é o seu especialista.
Com carinho,
Psicóloga Priscilla Freund