Alguém já ouviu ou se identifica com essa fala?
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Bem comum, não? Sim. Antes de falarmos sobre esse comentário ou relações familiares, deixe-me falar sobre fronteiras! E Você se pergunta “o que tem a ver fronteiras com famílias? seria algo sobre a pandemia ou o acesso a alguns países ou…” Por hora, esqueçamos ou, deixemos de falar da pandemia (se é que posso sugerir isso) e falemos sobre relações famílias e suas fronteiras, é sobre elas que escrevo hoje.
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Antes, proponho que você entenda a si e aos Outros como sistemas, isso: cada um de nós como sistemas únicos que se relacionam com outros sistemas e fazemos parte de um sistema maior, somos então, subsistemas inseridos em outros sistemas maiores, todos inter-relacionados e interdependentes. Cada um desses subsistemas tem características próprias e independência, temos bordas que nos permitem a diferenciação do outro. Claro, nos encontramos numa área de interconexão, na qual, compartilhamos conteúdo, estabelecemos trocas e nos nutrimos mutuamente.
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Essas trocas, entre tais sistemas – e por sistemas, lembremos que são pessoas, deveriam ser saudáveis o suficiente para permitir que todos os envolvidos continuem funcionais e ainda assim, autônomos. Diferentemente de não respeitarem suas fronteiras e se invadirem no espaço da interconectividade, favorecendo assim, uma série de prejuízos relacionais e emocionais.
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É muito importante que essas fronteiras sejam respeitadas na aproximação dessas pessoas enquanto na área de interconectividade, para que possam, na verdade, se alimentar e estabelecerem suas trocas sem se tornarem destrutivas e disfuncionais, perdendo então suas características individuais uma vez que, estão todas juntas e misturadas.
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Até aqui, tudo bem? Faz sentido um pouco dessa teoria dos sistemas?
Vamos então entender como as relações entre os sistemas (pessoas) podem colaborar ou prejudicar a manutenção saudável de todos, principalmente agora, e não somente, que estamos em tempos de reuniões (na medida do possível e em segurança) de família? Vou contar a vocês três modelos que podemos identificar, reconhecer e até, modificar, para o bem de todos, a seguir:
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O modelo, digamos, harmonioso, no qual, as relações estão embasadas no respeito ao espaço do Outro. Eu entendo qual é o meu espaço, eu entendo qual é o seu espaço, e entendo o espaço onde nos encontramos. Nesse espaço combinado, há regras, há falas, há jeito de pensar e agir que cabem a ambos, ambos conhecem e se reconhecem. Estamos juntos mas somos independentes, escolhemos estar juntos mas não nos atravessamos. Há um conteúdo acordado a ser compartilhado nessa interseção sem sobreposição. Esse respeito mantido, melhor tendem a ser os relacionamentos entre as pessoas, porque não damos, ou ao menos diminuímos o espaço para sentimento de mágoas, ressentimentos, discórdia, menos valia, rancores e etc.
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Já o modelo emaranhado, é um não saber quem é quem numa mistura total e absoluta. Segredos não são respeitados, sigilos são violados, preferências não são levadas em conta – é tudo de todos. Não existe a individuação, a regra é clara e diz “se quiser fazer parte desse sistema, deixe de existir na sua individuação”. As características individuais se perdem numa massa única e indiferenciada, o que é se torna um terreno fértil para inseguranças e ansiedade. Não há validação, não há reforço positivo se algo não é amplamente aceito pelo coletivo. Exemplo? filhos que casam e vão morar na casa ao lado, ou no mesmo prédio, bairro, sei lá; os almoços nos finais de semana são sempre na casa da mãe ou da sogra; o que há na casa de um, há na casa do outro – até as compras de mercado, que são feitas pela sogra, são compradas para a casa do filho.
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Me pergunto, como ficam as vontades de cada um? onde estão os desejos de fazer isso ou aquilo ou, simplesmente de não fazer? como ficam os papéis ou funções sociais, onde estão as bordas entre ser mãe e ser filha? onde está a fronteira entre irmãos, se está tudo emaranhado? Esse modelo me preocupa, em especial, devido a eu pensar que o processo de individuação é essencial ao amadurecimento emocional e um desempenho funcional das nossas funções, psíquicas e sociais, e nesse modelo emaranhado, esse processo fica prejudicado.
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Ainda, há o modelo de relações triangulares, imaginam o que sejam? sabem o que chamávamos por “panelinhas” na época da escola? pois é, elas acontecem nas relações familiares e são tão cruéis quanto. É um tal de quem se alia com quem para isolar outro alguém. Normalmente entre pais e filhos, ou irmãos, mas cabendo o triângulo em qualquer relação ou geração. Cabendo vírgula, literalmente. Relações triangulares não deveriam caber em famílias “tidas” saudáveis, elas são nocivas a homeostase familiar ( capacidade dos organismos de manterem seu meio interno em certa estabilidade) e, figuras geométricas em nada combinam com relacionamentos – círculos viciosos, triângulos amorosos ou mentes quadradas. Não, não, em família, muito pouco desce redondo…
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E me digam, ou, reflitam, como é a relação familiar de vocês?
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Com carinho,
Priscilla Freund