Ah, a etiqueta!
Pensar em etiqueta é pensar em regras de conviver, em códigos que possam ser elegantemente comuns a uma população e assim, nos contar sobre essas pessoas.
Sendo assim, não nos causaria estranheza pensarmos na aviação comercial e associarmos aos seus protocolos de etiqueta, sim? Há anos, nos fora comum “nos arrumarmos para viajar de avião” – não, não podíamos ir de qualquer jeito, como se fôssemos ali na esquina, não. Aviação representava glamour, lembram-se dessa época?
Por essa razão, vivi 15 dos meus 42 anos, voando. Recordo que no início da minha carreira, bem no comecinho, fui escolhida para atuar na Classe Executiva e me tornei uma especialista em viver e conviver com a elegância, com a beleza e com a sofisticação, cristais e prataria em um ritual do bem receber, de fato, meus passageiros eram bem-vindos a bordo!
Suponho que estejam se perguntando se, dada a minha exposição com a interação com pessoas, se algo me chamou atenção ou se tenho histórias para contar e sim, muitas foram as experiências que me chamaram atenção e tenho uma em especial: de quando eu, verdadeiramente, assisti e entendi o significado de ser elegante, de se portar dentro de uma etiqueta, de ser luxuoso.
Estava em sobreaviso (uma modalidade de trabalho na aviação que nos mantêm à disposição da companhia aérea por algumas horas e podendo ser acionados caso precisem para compor tripulação) e fui acionada para buscar um voo em Recife. Esse voo, por trazer passageiros de outras conexões – Caruaru, Petrolina, e mais outras que não recordo, demandava uma aeronave maior – algo justificava a companhia enviar um avião daquele porte e acionar uma tripulação de voos internacionais, eu de verdade, não lembro a razão – Dado o embarque, observei um senhor bem franzino, com a pele queimada pelo Sol e com marcas de uma vida possivelmente difícil, vestindo uma camiseta branca e chinelos que diziam terem sido usados muitas e muitas vezes, e segurando uma sacola plástica onde guardava seus documentos e sei lá mais o quê. Não fez qualquer pergunta, apenas me entregou o ticket onde continha o número do seu assento, “esse senhor, além de ser um passageiro de primeira viagem, talvez não saiba ler,” eu pensei, então me ofereci para acompanhá-lo ao longo de um corredor que nós, graciosa e elegantemente, chamamos por passarela.
Acomodei-o e me ofereci para guardar seus pertences e ele com um sorriso tímido, disse que queria ficar com a sacolinha, e assim o fez. Os demais passageiros falavam alto, pediam fones de ouvido, aceitavam as balinhas animadamente que oferecíamos durante o embarque, mas ele, não. “Preciso fazer alguma coisa”…e fiz! Aproximei-me dele e me abaixei na altura dos seus olhos e perguntei se ele já tinha visitado a minha casa antes, ele sorriu dada a pergunta e disse que não, então eu pedi a ele que fosse comigo até a minha cozinha – galley, área de trabalho dos comissários de voo, e eu lhe serviria um café enquanto batíamos um papo. Seus olhinhos brilharam…primeiro por curiosidade e depois, penso, por imaginar que naquele pássaro de metal pudesse ter uma cozinha!
Ele me seguiu e assim fizemos, eu preparei o café e ele me contava a razão da sua viagem a São Paulo, estava inseguro, sentia medo pois “Minha nossa Senhora, São Paulo é longe demais, moça!” ele repetia ao passar as mãos no rosto. Mas agora, ele sorria.
Disse a ele o quanto estava feliz em tê-lo conosco e que, vê-lo usufruir das facilidades me encantaria! Apresentei a ele o nosso serviço de entretenimento a bordo, ele escolheu um filme, aceitou as balinhas e sim, agora, ele gargalhava.
Esse senhor me ensinou, na sua simplicidade e com seus gestos limitados, a como se portar em um ambiente desconhecido: ele chegou de maneira contida, assistia a tudo e a todos humildemente e aprendia as regras e os códigos daquele cenário. Mal ele sabia que os bons modos, era Ele quem os trazia. Essa história me emociona e me encanta até hoje.
Digam-me, o ser humano consegue ser luxuosamente brilhante na sua simplicidade, não?
Com todo o meu carinho e respeito,
Priscilla Freund