Li em um livro que “famílias são compostas por aqueles que têm uma história e um futuro compartilhados” – parece tão óbvio ao lermos mas, na prática, não nos damos conta da grande teia relacional na qual estamos inseridos, e mais, envolvidos. Embora possamos optar por manter ou não alguns relacionamentos, como por exemplo, temos a chance de nos afastarmos uns dos outros temporariamente e até, limitarmos a interação a quase nula, ainda assim, permanecemos numa complexa e extraordinária teia de laços familiares por várias gerações.
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Ainda sobre a minha leitura, nesse livro dizia que os membros de uma família em geral não se percebem assim, dizem ter nada ou pouco a ver uns com os outros, ou dizem ter “nada em comum” e que, ainda, quando esses membros agem como se as relações familiares fossem opcionais, fazem isso em detrimento da sua própria identidade e ignorando a riqueza desse contexto emocional e social. Maravilhados ou embasbacados, como se sentem ao ler tais palavras?
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Como Priscilla, confesso que ainda por ter vivido anos distante fisicamente da minha família, embora estivéssemos conectadas pelos laços emocionais e consanguíneos, sinto-me surpresa, uma vez que sempre me senti completa por mim mesma. Muitas viagens, muitos dias e noites na minha única presença e com a presença de múltiplas culturas, que me faziam pensar que eu era o resultado em corpo e alma, dessa mistura. Eu sendo um melting pot num caldeirão de uma mistura homogênea.
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Como psicóloga, me sinto maravilhada e não obstante, preocupada com esse mega sistema chamado família e com seus subsistemas interconectados e interdependentes, ora fervendo em brasa, ora cozinhando em banho-maria sentimentos deliciosos e quentinhos de sentir, e também, mágoas, lembranças, tabus, papéis, segredos, rótulos, expectativas, características físicas, funções, frustrações, amor, ressentimento, afeto, vergonha, saudade, decepções, vontade de ir, vontade de ficar ou de nunca mais voltar – às vezes, melhor colocar panos quentes do que jogar água na fervura…
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E ainda nessa metáfora da fervura nesse caldeirão, penso que como numa receita, temos ingredientes e etapas de evolução, assim vivemos ciclos vitais familiares e quem dera, fossemos habilmente espertos para entender cada ciclo como uma etapa de desenvolvimento contínuo de si próprio e da família. Além disso, os ciclos vitais têm características também próprias, comuns aos que por ele passam.
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Já ouviram histórias de famílias onde irmãos eram tão próximos na infância e na fase adulta mal se reconhecem? Irmãs quando solteiras eram suas melhores companhias e ao casarem se distanciaram não somente pela separação espacial mas na intimidade, quase como um abismo entre elas? Justamente e não somente, encontramos explicação por meio do entendimento dos tais ciclos.
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Com o tempo, as qualidades dos indivíduos podem cristalizar, sendo percebidas como comportamentos rígidos , ou, podem ser transformadas em um repertório extenso e flexível, então, em determinados estágios da vida temos mais facilidade ou dificuldade em manter relações com pessoas, além, da genética e interações ambientais que cada um experimenta na sua individualidade. Qualquer dia escrevo para vocês sobre esses ciclos, mas para ilustrar esse texto, pensemos nos seguintes ciclos: adolescência, início da idade adulta, formação de casais, famílias com filhos.
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Há mudanças constantes nas relações familiares. Essa relações – com os nossos pais, irmãos e outros, passam por transições conforme seguimos fluindo de um ciclo ao outro e as fronteiras entre nós, igualmente. Nossas distâncias físicas, emocionais e psicológicas são encurtadas ou aumentadas, da mesma maneira acontece com a mudanças de papéis assumidos.
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Seja como for, temos que reconhecer o que nos disse a D.Aranha: que teia familiar espetacular!
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Com carinho,
Priscilla Freund
(*) Melting pot é uma expressão da língua inglesa entendida como um caldeirão de coisas derretidas, sabem? uma mistura de culturas e línguas, por exemplo. É comum ouvirmos que cidades como São Paulo, Nova York, e outras cidades cosmopolitas como elas, são um “melting pot” pela influência de tantos estrangeiros que por elas passam e nelas deixam um bocadinho de si.