Novamente, tomando meu café na varanda abro a revista que acompanha um jornal que leio diariamente – à moda antiga – e eis que perco o bom humor – antes ele, do que a sanidade, afinal me parece ser essa a proposta dessa matéria.
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Estilistas escolhidos, suponho que a dedo, escrevendo sobre a moda sustentável. Confesso que o que me atraiu a atenção fora entender as ações que o mundo da moda vinha desempenhando para se manter produzindo e como reagia a esse momento econômico. Sabemos que grandes marcas varejistas, conhecidas e compradas por nós, não respeitam a complexa cadeia de produção, assegurando que se mantêm em vantagens competitivas, nem que isso implique no uso de matéria-prima de baixa qualidade e pior, no subemprego da mão-de-obra que lhes servem.
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Voltando à minha leitura. Como escrito no editorial, o mundo passa por um processo de transformação e, igualmente a moda. Moda sustentável, peças naturais e essenciais, fios nobres, trabalho artesanal, tecnologia de ponta, aconchego e acolhimento. O conforto sendo percebido como o novo luxo – e que luxo. Não tenho a intenção, tampouco competências técnicas para discorrer sobre produção de matéria-prima, fiação, tecelagem, acabamento ou confecção e, entendo que o menos é mais – em todos os amplos sentidos: pessoas na linha de produção, o acesso às peças, etc. E, impossível seria precificar esses ícones do novo luxo igualmente às varejistas de há pouco, no balancete contábil estar no vermelho não é como um pretinho básico.
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Entenderia tudo isso – estilistas e jornalistas especializados no mundo da moda expondo e escrevendo sobre um trabalho minucioso e portanto, caro. Não fosse acrescentar à essas peças os termos essenciais, obrigatórios e que em períodos de isolamento social, trarão brilho e cor para as nossas vidas, de modo a contribuir com a valorização do nosso tempo.
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O mundo da moda é caro. Eu sei. O papel dos grandes e renomados estilistas é criar e vender o sonho da aquisição dessas peças e favorecer, obviamente, a multiplicação desses estilos. Eu também sei. Porém, estamos em um momento de isolamento social, confinamento para alguns, ausência de equipamento de proteção individual para muitos, e fome para outros tantos. Os meios de veiculação – jornais, revistas, canais de televisão, redes sociais podem, semelhantemente, contribuir para o bem-estar ou para transtornos de saúde psicoemocional. A ideia de vender o inalcançável, cachecóis e brincos que ultrapassam 5 dígitos mas que carregam consigo alegria, cor num cenário sombrio – por vezes, as paredes brancas e gélidas dos hospitais, por vezes o cinza das capelas mortuárias – e valor para os que estão com a carteira e conta bancária vazias – me parece inapropriada, ao menos por hora.
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Um despropósito senão um desserviço pelo momento no qual passamos. Atendo diariamente pessoas com sintomas de ansiedade e depressão favorecidos pelas imagens que chegam a elas por meio desses veículos da mídia. Como uns enfrentam a quarentena tão bem enquanto outros não tem o que comer? – ouço de um. Não é possível que a gente não consiga fazer alguma coisa para ajudar quem está nas favelas – ouço de outro. Talvez, eu sugira a aquisição de algumas dessas peças. O que acham?
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Senhores e senhoras do mundo fashion vos peço modestamente, atenção ao essencial. Hão de existir maneiras de chegar aos consumidores finais sem que sejam através do choque brutal de realidade. Vocês nos vendem a beleza, a elegância, o encantamento. Como seria se escrevessem sobre, ou postassem, peças mais, digamos, realistas e confortáveis ao nosso momento de saúde per se e econômico?
Boa semana!